Férias. Tudo que alguém precisa, na maioria das vezes, são férias. Uma folga de si mesmo e do mundo que o cerca. E foi pensando assim que em um outono cinza, mais ou menos uns 4 anos atrás, resolvi contrariar as estações e alugar um chalé na praia. O lugar era afastado de tudo e de todos. Exatamente o que eu procurava. Levei caneta e papel, 5 garrafas de gim, 10 carteiras de cigarros e haxixe suficiente para me fazer esquecer do restante do mundo.
Passei na imobiliária, retirei às chaves e perguntei à moça que trabalhava lá:
– Qual a civilização mais próxima de lá?
– Ah! Fique tranquilo. Há mais ou menos uns 2 quilômetros existe uma aldeia de pescadores. Eles são bem reservados e não incomodam quem se hospeda por lá. Aproveite sua estadia. – falou com um largo sorriso na face.
– Muito Obrigado! – e virei às coisas e saí.
Peguei meu carro e dirigi enquanto fumava meu primeiro cigarro de haxixe. Faltavam apenas mais alguns quilômetros, quando de repente uma loira de uma beleza exótica se atira em frente ao meu veículo. Puxei o carro bruscamente para esquerda e parei. Desci aos berros:
– Tá maluca? Quer morrer? Eu podia ter te atropelado? – fui em direção a mulher
– Desculpa, moço! Eu estou desesperada. Preciso que me tire daqui. Meu carro quebrou, me perdi na mata e agora estou aqui. Não importa onde está indo, apenas me tire daqui.
Algo em mim se compadeceu com o pedido da moça, como também ao lindo par de pernas que ela tinha.
– Tá bem! Fique calma. Eu estou indo de férias para uma praia afastada da cidade. Acho que estará segura por lá. Se quiser ir, pode me acompanhar. Qualquer coisa levo você embora também, sem problemas. – falei tentando acalmar a coitada.
– Muito Obrigada, moço! Eu preciso desse tempo longe. Vou pegar minha mochila. – virou as costas e foi até o acostamento pegar a mochila.
Embarcamos no carro e seguimos viagem até a praia. No caminho ela se mostrou bem mais calma e divertida. Contou que seu nome era Simone, que estava fugindo de seu passado e queria apenas a calma de algum lugar tranquilo para que continuasse a pintar seus quadros em paz.
Chegando ao local, descarreguei o carro, abri a primeira garrafa e sentamos na varanda, bebendo e fumando.
– Sabe, Simone. Foi até bom ter lhe encontrado. Eu estava vindo sozinho para esta praia deserta para fugir do meu cotidiano. Sendo que jamais conseguiria fugir de mim mesmo, vindo sozinho com meus problemas pra cá. Você foi um achado. Muito Obrigado – falei para ela, agradecendo sua presença.
– Ah, deixa disso, seu bobo! Ficar sozinho com alguém é a melhor coisa que há. É um prazer ser sua companheira de viagem. – beijou meu rosto e se levantou pegando sua tralha de pintora e colocando na varanda.
Os dias passaram e Simone pintava feito uma louca. Horas à fio. Mas jamais me deixava ver o que ela pintava. Deixava sempre os quadros escondidos no porão da casa, cobertos com um lençol. Bom, eu entendia, eu era artista também e vivia cheio de manias. Porém, com o passar dos dias, meus cigarros e o gim acabaram, motivo pelo qual me dirigi até a vila para comprar mais.
Fui ao mercadinho da região, poucas pessoas por ali. Todas me olhavam com um aspecto estranho, como se tivessem certo receio. Pensei ser que era por conta de eu ser um visitante desconhecido. O único a ser amistoso comigo foi o dono do mercado.
– Bom dia, amigo! Qual vai ser hoje? – estendeu a mão para me cumprimentar
– Bom dia! – respondi ao cumprimento – Então, qual cigarro você tem? E bebida?
– Cigarros eu não tenho. Apenas fumo de corda mesmo. E bebida alcoólica tenho uma cachaça que a gente produz aqui mesmo. Pode ser? – com uma expressão de desculpa
– Tudo bem! Me vê um pacotinho de fumo e 3 garrafas dessa cachaça. Se for boa, eu volto aqui pra lhe dizer e comprar mais.
– Tudo isso para um homem que está sozinho aí? – indagou – Mas tudo bem, não devo me meter nos vícios alheios.
– Estou acompanhado, amigo! Mas beberia isso tudo sozinho se fosse o caso também – dei uma gargalhada e o dono do mercadinho não riu. Apenas embalou tudo, me cobrou e eu saí de lá
Ao sair, notei que todas as pessoas me olhavam como se tivesse algo errado comigo. Porém, achei que era paranoia minha por conta do haxixe. Aliás, acendi outro pra me distrair.
Chegando de volta à cabana, fui recebido por Simoni de bíquini ostentando aquele corpo lindo que ela tinha. Seus cabelos esvoaçantes pareciam se mexer como música.
– E aí? Conseguiu? – perguntou-me com um isqueiro em mãos.
– Só tinha fumo de corda. – atirei o saquinho para ela – E essa cachaça aqui. Mas vamos ao que temos.
Fumamos e bebemos durante algumas horas, até que Simone desceu ao porão para pintar mais alguns quadros. Já era noite. Eu sentei-me na varanda a escrever mais partes da história e da minha história. Bebia e fumava como se não houvesse amanhã, e cada vez mais as palavras saltavam da minha caneta dançando sobre o papel. Eu havia quebrado meu bloqueio. Estava mais genial do que nunca. Quando terminei, o dia já estava quase raiando. Completamente alto eu levantei e cambaleei para o quarto. Abri a porta e la estava Simone. Suja de tinta e apenas de calcinha. Eu não havia tentado nada com ela ainda, afinal não queria me aproveitar da nossa solidão para suprir minha safadeza.
– Então, eu to meio suja. Cê não quer me limpar? – disse ela acariciando os seios manchados de tinta azul.
Como um maníaco eu voei sobre ela e deslizei minha língua pelo seu corpo. Centímetro por centímetro eu senti seu gosto. Sua pele era macia como veludo. Suas unhas penetravam na minha carne há cada toque de prazer. Trepamos loucamente pelo resto de noite que nos sobrava. Perdi a conta de quantos orgasmos tivemos. Mas após tanto gozo, peguei no sono como nunca. Dormi até meu corpo se sentir seco o suficiente para me acordar e beber água antes que desidratasse. O sol já ardia. Meu corpo coberto de tinta me fazia lembrar de Simone. Tomei banho e fui até a varanda procurá-la.
Mas quando cheguei, pra minha surpresa, tudo havia sumido. Quando digo tudo, é tudo mesmo. Era somente eu e o branco do vazio de não ter nenhuma paisagem, nenhuma vegetação, nada. Um pincel caído na varanda e uma tela em branco. A vida havia perdido sua cor. Minha história se dissolvia assim como meus neurônios em cada tragada de haxixe. Olhei para os lados e gritava por Simone, mas tudo era somente um eco que não parava de soar. O mar parecia se afastar cada vez mais de onde eu estava. Por fim, a cabana começou a derreter-se e descolorir o resto de vida que havia na praia. Se é que eu ainda podia chamar de praia. Completamente desesperado, dei um gole naquela cachaça e corri rumo ao resto de oceano que havia. Eu iria nadar pra me salvar, ou iria nadar para morrer no azul, pois jamais aceitaria derreter e voltar a ser apenas o branco de algo vazio. Nadei por 15 minutos e o mar começou a sumir debaixo dos meus pés. A tinta branca escorria dos céus e foi tomando meu ser. Invadiu minhas narinas e minha boca. Aceitei o fim e engoli. Quando fechei os olhos, o escuro ainda era branco. Perdi os sentidos.
Acordei na praia com um monte de gente em volta. Todos queriam saber se eu estava bem. Os pescadores haviam me resgatado e diziam que eu só não morri por pura sorte. Perguntei de Simone, mas ninguém respondeu nada. Todos me ignoravam quando fazia essa pergunta. Me deixaram em casa e pediram para que se eu não me sentisse bem, que fosse até eles.
Decidi que minhas férias tinham acabado. Eu fujo do mundo mas ele jamais foge de mim. Arrumei minhas tralhas, peguei o resto dos meus vícios e quando fui sair, lembrei do porão da casa. Precisava saber mesmo se estive louco ou se Simone realmente existiu. Desci pé por pé, acendi a luz e lá estavam os quadros cobertos pelo lençol. Quando puxei-o, as pinturas se revelaram uma a uma: Um cara dirigindo seu carro pela praia, outro escrevendo na varanda, outro fumando e bebendo enquanto cambaleava, um casal transando e por último um que mais parecia uma macha azul com um corpo afundando. Transtornado eu já não sabia mais em que acreditar. Subi as escadas correndo e lá estava, em plena varanda: Um quadro de uma mulher loira perfeitamente desenhada pintando mais uma nova tela.
Yuri Cidade
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