Os melhores poemas sempre foram grandes tragédias. Quase como um Hitler das palavras. E assim, sigo desde que deixei o interior e passei a consumi o caos de uma capital frenética. As peças conexas entre si, completamente abstratas às existências ao redor.
O som cortava a madrugada. Sai de casa, pois estava cansado de escutar o vizinho de cima trepar com sua esposa. Peguei o primeiro bar aberto e sentei-me com um bando de tiozinhos que jogavam baralho. Lugar pacato, bebida barata e ninguém pra te encher o saco.
Lá pelas tantas, alto demais para ter certeza do que acontecia, um perfume sensual dançou pelo lugar. Como se uma flor brotasse na fumaça daquele insalubre boteco.
– De quem é esse cheiro? – perguntei
– Do teu cu. Fica quieto e não atrapalha. – reinou um senhor de cabelos brancos, bigodes largos e olhos caídos de tanto beber.
O perfume continuava a penetrar em minhas narinas. Estonteante. Um abraço em meu olfato.
Levantei da cadeira e me pus a farejar aquilo. Procurava com olhos a dona daquele perfume. Era um animal em busca de seu instinto. Mas a rua estava vazia. Silenciosa feito o vácuo.
Porém, enquanto corria pela estrada, algo rompeu o silêncio. Um riso frouxo. Solto feito um pássaro que abre as asas em um mergulho sem volta. Meus ouvidos se aguçaram e passaram a traçar um compasso, formando um campo harmônico junto ao deslizar de cada nota daquele odor sublime. Um tesão cego, sonoro e perfumado.
Entrei em transe. Os olhos já não me serviam de nada. Olhava tudo mas não via nada. Fui tomado pelo resto dos meus sentidos restantes. Minha audição era inundada no riso livre, o olfato em pleno orgasmo guiado pelo perfume, até meu paladar e minha pele criavam novas sensações. Valia mais que qualquer carreira de pó colombiano que já tinha aspirado. Era puro e simplesmente: prazer.
Não lembro por onde passei, por onde vim ou fui. Eu nem me lembro de quanto tempo fiquei fora. Me recordo apenas de uma agonia gostosa de se buscar o que se deseja. O tesão em viver.
Por fim, cansado demais, mas usando as últimas forças para farejar o líbido, adentrei em meu apartamento e me arrastei até a cama. Tomei um gole de uísque quente, o qual restara da noite anterior, acendi um cigarro e gritei ao teto:
– Por onde andas????
Nada respondeu, obviamente. O silêncio deu apenas mais uma dose do perfume, mas sem risos dessa vez. Ouvi apenas um gemido abafado de quem acabara de gozar. A pressão baixou, relaxei e notei que ao meu lado ainda havia o vestido de meu falecido amor. Impossível não lembrar do cheiro natural daquele pele doce e o gosto de sua língua ácida.
Sorri. Assenti. E pensei: “As vezes o orgasmo é só uma lembrança.”
Apaguei.
Yuri Cidade
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