Desatento, eu ri do vento como quem ri do próprio azar. As palavras no ar, se dissolveram e deram vida a nuvens inversas. Toda a poesia reescrita no que não se decifra. As cifras no meu bolso me lembravam de uma canção na qual meu violão nunca aprendeu a tocar. Caminhei, caminhei, caminhei, até me isolar na neutralidade do banco de bar. Dose após dose, vi que a vida escorre por cada gota do meu copo. Mas que se foda o óbvio, encha meu copo do vazio de uma amnésia forçada. A próxima tragada, a próxima rodada e assim sucessivamente eu bebi. O relógio já batia 4 da manhã. Minha mente sã já tinha pego seu rumo, enquanto meu demônio, me dava o alívio de um sonho sem lembrar do arrependimento. Como um pão sem fermento, vaguei pelas ruas sem crescer. Sem nem ao menos absorver o torpor que a fuga da lucidez te dá. Meu celular tinha somente o suficiente para uma ligação. Catei-o a mão e me pus a discar o número do mesmo táxi que me leva dos meus porres. A única pessoa que se importaria se eu morresse.
– Tá por onde? – de antemão já respondeu meu chofer.
– To em frente ao bar.
– Ok, em 5 minutos estou aí.
Esses malditos 5 minutos transformaram-se em exatos 39 minutos. Tempo esse que me deu lapso pra vomitar, praguejar à uma senhora que abriu sua janela e me viu mijando num poste. Até mesmo meu deu tempo de escrever ebriamente um poema, em caneta azul num recibo do banco.
“A sobriedade do ébrio
Sem ar Vagueia meu par Nós demais lares De números ímpares Que permanecem sinceros O esmero De levantar e começar do zero Toda sua infernal rotina Pobre é sina Não é vida Digna de ficar sobrio Meu voto É pra que encha meu copo Para pelo menos Adormecer os membros Pernoitar com o sereno Me carregar enfermo Até o próximo altar Se dá vida eu duvidar Melhor que seja no meu bar Ali sempre ei de encontrar Ombros feridos e mentiras pra contar.”
Meu táxi chegou e como um atleta olímpico, me atirei no banco de trás e comecei meu monólogo de bêbado:
– Quanto mais se bebe, mais se vê a dificuldade em assimilar a realidade, que o homem tem. É como andar de trem sem ligar pra onde está se indo. Sem nem ao menos se dar ao prazer de curtir a viagem. Escrevo pra não enlouquecer. Quanto mais se lê, mais se vê que o que passa na TV é difícil de conceber. Fazem-me rir do que noticiam. As pessoas não se ligam. Toda e qualquer ligação é a cobrar. A cobrar um favor, um louvor, um lugar no céu, ou até mesmo um maço de papel seda. São fantasmas. São linhas cruzadas sendo assombradas pelo vazio de não ter uma voz firmemente acreditando em você. Canso da vida. Canso da morte. Canso até mesmo de ter que ser arrastado pelo tempo. As lembranças ficam remoendo o que eu deveria ter feito. Mas esse é o efeito, a vida não te deixa retroceder. É um telefone sem fio e sem cartão. Criando a doce ilusão de que quem te escuta é um orelhão.
O táxi parou, entreguei o dinheiro de sempre. Ao sair, o taxista simplesmente limitou-se a dizer:
– Esses orelhões, são todos fantasmas.
Yuri Cidade
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