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Foto do escritorYuri Cidade

Dona Morte

Estou sempre à espera. E não seria diferente naquela fatídica tarde de terça-feira. As freiras cruzavam a rua encasacadas em pleno calor de 30 graus rumo à igreja. Eu degustava uma cerveja solitária, que era a única habitante da minha geladeira. As veias do meu braço dilatavam e pulsavam tentando me mostrar que ainda estou vivo. Meus vícios tinha me deixado alerta, no qual a porta sempre estaria aberta para uma morte repentina. Assim como minha cama sempre estaria quente pra receber um belo par de pernas. São horas, rodas, rotinas e sinas as quais os demais poetas escondem por trás de textos feitos de algodão doce. O meu doce é ácido, ilusório e distópico, deixando que meus sonhos utópicos sejam apenas parte de uma conversa de bar. O ar havia pesado. Aquele mormaço de uma tarde de primavera, revelava que meu cérebro demorava mais a trabalhar. Era como se tudo tivesse ligado a câmera lenta, passando um filme previsível como qualquer um da sessão da tarde. Passos no corredor e um leve bater na porta. Era mulher. Nenhum homem teria como bater na porta apenas com o perfume de suas mãos.

– Quem é? – me limitei a gritar da cadeira de onde eu assistia a vida pela janela.

Ninguém respondeu. A porta se abriu e aquele vestido negro, justo e completamente desenhado para aquele corpo cheio de curvas, adentrou em minha residência.

– Vejo que não mudaste nesses anos, não é mesmo? – andava ela, analisando as bitucas de cigarro e o lixo que já devia ter sido tirado. – as mesmas ideias, os mesmos vícios, os indícios, inícios e até as mesmas moscas que rodeiam seu corpo. Me digas, qual sentido você vê nisso tudo? – dizia ela enquanto acendia um dos meus cigarros.

– Sentido? Pra que haveria de tudo ter um sentido, se até nossos próprios sentidos humanos nos enganam? Não seria isso tudo aqui uma grande obra de enganação, para no final todos serem somente um mar de decepções? Prefiro a anestia. A fria arte de encarar a vida baseada em vontades exteriorizadas na busca pelo prazer. Aliás, prazer em conhecê-la moça! Qual seu nome? Nem falarei pra você ficar à vontade, porque já vi que está.

Ela soltou uma gargalhada

– Nome? Já tens meu registro no dia que nasceste. Venho até aqui todo santo dia à espera da última dose. Do último uísque sem gelo que vai dissolver tuas artérias e fazer da sua agonia, apenas uma espera que precede à queda. Mas como um dado viciado, seu corpo parece intocável pelo acaso, e não há como despir-te da tua alma. Mas hoje, quero te carregar no meu seio para seu eterno leito. – disse ela abrindo ainda mais o decote, deixando a mostra o desenho daqueles seios que mais pareciam feitos por um escultor renascentista.

Quando a esmola é demais o santo desconfia, ainda mais pra quem não acredita em santo.

– Proposta tentadora a sua. Mas há quem diga que toda mulher nua, traz em si um veneno. Um pequeno demônio pronto pra te apunhalar. Já dormi com mulheres sem saber seus nomes, mas é a primeira vez que uma tenta me seduzir escondendo quem é. Não vou negar, sempre estarei de pé para aquilo que me convém, mas não sou trouxa suficiente pra não saber que aí tem. Me diga moça, qual teu propósito comigo?

– Quem deveria fazer as perguntas aqui sou eu. Mas teu complexo ser me intriga e me instiga às respostas mais tortas. É como se você comesse primeiro as bordas, e na hora que ninguém estiver notando, avança no recheio, não deixando nem meio pedaço. És meu caso mais difícil. A simplicidade que exala em sua existência, transforma minha sedução em um complexo jogo de persuasão. Já tive todos os homens que quis, mas você é sempre o esquivo. Não diria que é a desconfiança sua maior defesa, e sim a malícia que carregas em tuas indagações. Eu sempre fui o mistério pro mundo, mas não chego perto do dilema que és ao intitular-se um vagabundo. Por favor, me diga, que tenho de fazer para te levar? – largou o cigarro, e inclinou-se para cima do meu corpo.

Não respondi. Larguei meu copo e avancei sobre ela beijando-a ardentemente. Levei-a para cama e arrancamos nossas roupas como se fossemos dois animais raivosos. O suor, o calor, as respirações ofegantes durante o ato. O tempo havia parado e meu quarto rodava. Minha cama parecia estar no teto, enquanto que o chão era apenas um abismo que engolia o resto de saliva que escorria de nossas bocas. As paredes ocas estalavam com o bater da cabeceira. Voaram até as cadeiras para meio da sala. A casa parecia um carnaval em plena sapucaí. Mas de repente, no recuar da bateria, gozei e apaguei em um sono mórbido e profundo.

Lá pelas 22:00 horas eu acordei como se um caminhão tivesse me atropelado. Meu estado condizia com a foda. A dor nas costas e a boca amarga da desidratação de uma noite bem aproveitada. Me sentia leve e despreocupado. Caminhei até a sala procurando pelo menos uma bituca de cigarro pra mater a vontade. Ao invés disso, encontrei na minha mesa de centro uma carteira de filtros vermelhos com um bilhete. No qual, se lia num curto poema:

“Nem foice Nem coice Limbo ou cilada Fora numa noitada Que me convenceste da tua sina A comédia nada divina Que abre os portais de Dante Me colocaste numa estante A te assistir ser humano Mundano Mereces mais alguns anos De gozo profano Aproveite sua estadia E quem sabe um dia Voltemos a foder.

Ass: Morte”

Sem acreditar no que li, dei risada em sinal de delírio. Acendi um cigarro atrás do outro, procurando entender como eu poderia ter driblado a morte com uma trepada.

Yuri Cidade

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