Anunciando a vida, meu ônibus se pôs a andar. Bares, BR, trânsito parado e migalhas de um passado. Vaguei por entre os trilhos asfaltados. Em cada parada um trato, uma sorte, um azar ou até mesmo um desencontro. Preferi continuar tonto do que ter que enxergar a realidade. Extremidade de uma ponta só. Que nó a vida tinha me dado, me pondo sem pragmatismo num caminho encurvado pro abstrato. Não vejo carros, não vejo gente, não me vejo. Foi exatamente essa sensação que eu tinha de encarar quando adentrava mais uma vez em seus desconfortáveis bancos sabor mofo. Duro igual ao meu pescoço, estava meu bolso. Pele e osso que até mesmo os urubus rejeitavam. Ah pobre diabo! Sem nada e com tudo pra fazer. Infeliz daquele que crê que um dia vai mudar. Há de despencar como despenquei três vezes do pau de arara. Como nas vezes que cai de exaustão do calor a me consumir. E nem um último trago me deram antes de partir. Eu não largo a vida. Eu largo a morte. Eu enfio a sorte no cú e vou pro ataque. Não tive educação, tão pouco pude pagar o Pilates. Já é tarde, é hora de Temer. Inconstitucionalissimamente eu me abstenho vossas senhorias, porque já é meio dia, e tá na hora da minha bóia fria. Mastigo o presente como quem come merda. Minha escova não tem nem mais uma cerda pra escovar a última presa solitária. E eu que critiquei quem vivia uma vida imaginária, me deparei certo dia fazendo o mesmo ao lembrar de Candelária. As marcas são várias, os hematomas, as redomas de sangue coagulado sarando a deus dará. A escravidão acabara mas o chicote ainda estala. Principalmente no meu peito ao largar toda essa agonia. Minha preta, minha terrinha, era tudo que queria. Mas de nada adianta a lida, se com ela não posso nem me alimentar. Era o hoje. Deu pra mim. O fim ia ser hoje. O amanhã é pra quem consegue aguentar apanhando. Munido de um revólver de más intenções, eu subi até o mais alto que podiam me ver.
– Não há! Não há nada! A vida é uma piada mal contada, onde quem ri, ri de retardado que é. Fé naquele que tira meu dinheiro por um lugar no céu? Então quero usucapião da minha cota agora. Neste instante, porque na terra sou apenas um boneco de dar corda, trabalhar e voltar pra estante. “Ah mas seu dotô, disse que vai melhorar” O seu dotô nunca soube o que é não ter mais lágrimas pra chorar ao não ver nada florescer na terra e no próprio peito. Hoje eu rejeito a todos vocês. Rejeito a mim que nem sou mais meu. Agora me deem licença povo de Deus, que eu vou encerrar com essa prosa de maluco. – Engatilho meu trabuco, e apenas deixo-os a minha última frase – de que adianta nascer livre, mas permanecer preso à alusão da liberdade? – simplesmente um clique, um estouro, e miolos espalhados por todos lados.
Na feira, na padaria, na reunião da hipocrisia na prefeitura, até no bar do seu Zé, meus pedaços voaram em cima de todos, como quem diz: “Pronto! Agora terminem de me comer”. Agora, meus amigos, finalmente da liberdade pude usufruir, pois tirei-lhos o direito de me levar. Eu estou livre, porque pude me destruir.
Yuri Cidade
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