Acordei atrasado, como sempre. O tempo sempre foi o maior desafio pra mim. Encarar horários é algo repugnante, pois depender de espaços no lapso temporal é a mesma coisa que usar uma cueca apertada: a melhor sensação é quando você se sente livre. Catei meu bilhete e parti para a estação ferroviária. Corri em disparada rumo ao local, onde só tive tempo de largar as malas na mão dos carregadores, e sentar numa poltrona vazia no fundo. O assento tinha um tom avermelhado gasto. Olhei ao redor e vi diversas pessoas em seus lugares, mas longe dos próprios corpos. A fantasia da mente humana é ignorar o espaço-tempo. É uma utopia: quanto mais se perde, mais se encontra, assim como mais se ignora, menos se atém ao estresse. O maldito trem não permita que fumassem dentro de alguns vagões. Eu estava tisgo por um cigarro. A viagem ia durar umas 2 horas, e não ia aguentar sem dar uma tragada. Sabia que havia vagões mais frente específicos para fumantes. Levantei e segui pelo corredor enquanto o trem se mexia. O sacolejar me fazia ter a habilidade de um surfista para manter-me em pé. Atravessei de meu vagão para o da frente. Estava vazio. Mas lá estava o infeliz aviso: proibido fumar. – Filha da puta! – exclamei gerando um eco soou. Achei estranho. Mas fui seguindo. De repente levanta de uma poltrona,um fiscal de vagão. – Onde o senhor pensa que vai? – Opa! Que bom que te encontrei, cara. Então, onde é o vagão para fumantes? Só quero dar umas tragadas pra aguentar a viagem. – Olha, meu senhor. Acho que não é exatamente o que procura, mas pode seguir em frente. Você irá achar. Sem entender porra nenhuma, apenas disse: – Valeu, bicho. Me viro daqui. – andei em direção à porta. Chegando na mesma, olhei uma placa que dizia: PASSADO. Achei que era alguma brincadeira, ou sei lá, uma sinalização entre os funcionários do trem, para poderem se comunicarem melhor entre si. Abri a porta e rompi para o corredor. O trem deu uma guinada brusca à esquerda, me fazendo saltar e acabar caindo em cima de uma moça. – Desculpa, moça! Juro que foi sem querer. – Foi sempre sem querer com você, né?! O que você realmente queria, hein? O que é esse teu querer que me fez ficar neste vagão? – An? Como assim? – não entendi a reação da moça – Eu não sou funcionário do trem, dona. Se quiser reclamar do seu lugar, procure um fiscal. – Fiscal? Agora é essa tua desculpa? Nem sequer faço jus a tua memória? A minha cama sempre foi quente pra você, mas só até a manhã seguinte. Apertei os olhos e lembrei que ela era uma de minhas namoradas da juventude. Ela continuava a me xingar com diversos adjetivos assombrosos. – Juro que nunca lhe quis mal! – disse eu a ela – Eu só precisava de um tempo… – Tempo? E quanto tempo tem seu tempo? Acha que o tempo é a resposta? Você não sabe de nada. Está perdendo seu tempo. Não entendia nada do que ela queria me dizer. Virei as costas e segui, assim como seguia aumentando minha vontade de fumar. Ao passar pelas demais poltronas, vi diversos personagens que atravessaram minha vida. Minha mãe choramingava exclamando o que seria de mim longe de casa e querendo ser escritor. Meu pai fardado apontando pra mim e dizendo: – Você não é digno! Você não é um homem, rapaz. Você é um bostinha que gasta seu tempo com algazarras, farras e essa bosta que você chama de estudo. Apavorado comecei a correr, mas o corredor parecia se alongar ainda mais. E os passageiros continuavam a proferir seus julgamentos a mim. Quando finalmente cheguei a próxima porta, abri a mesma e tudo pareceu ficar lento. PRESENTE, era o que indicava a porta. – Porra! Devo ter pego o ônibus pro inferno. Tentei voltar, em câmera lenta, para a porta anterior. Mas um segurança parado a porta me disse: – É proibido voltar. – Mas eu vim daí agora. – Exato. Veio. Não vai. E não volta. Praguejei ao caboclo, mas não tive coragem de puxar uma briga. Segui pelo corredor. Em cada poltrona um indivíduo do meu cotidiano, a maioria bêbados e malucos com quem tenho andado. Alguns eram personagens dos meus escritos, rindo da minha cara: – Você é ridículo. Tá perdendo teu tempo com a gente? De que adianta existirmos pra você? Ninguém nos vê, ninguém nos lê. É tanto tempo inútil gasto com a gente, que você nem sequer se faz existir. Pra que você existe hein? Por que? – Vai se foder! Porra do caralho. Devo ter enlouquecido. Eu sou livre pra perder meu tempo com o que eu quiser. – Você é livre? – deu uma longa gargalhada – você é escravo de si mesmo, pois nem ao menos escreve mais pra si. Escreve pra todos. Escreve pela vista e não pela alma. Pense bem. Veio a mim a maldita sensação de que estava virando um escritor tão comercial quanto os outros. Senti medo. Senti agonia. Não consegui responder. Apenas rodava em minha cabeça às gargalhada em slow motion e o pensamento de que não era mais dono do tempo, muito menos de mim. Tentei correr, avançar, sair da inércia. Mas os passos eram lentos e arrastados. A porta anterior tinha se abrido, e os passageiros do outro vagão se atiravam em mim, me agarrando para que eu não conseguisse andar. Lia lá na frente uma porta escrito: FUTURO. Eu precisava atravessá-la, mas tudo me prendia ao vagão em que estava. Em um último gás, me desvencilhei e abri a porta. Mas ao atravessá-la, o trem entrou em um túnel e tudo ficou escuro e silencioso. Era como se fosse um vácuo. – Olá? – e meu eco se propagou pelo vagão. Desesperado, andei em frente tropeçando, não sei nem em que. No fim do vagão, havia luz sobre a porta, a qual tinha entalhada na madeira: LIBERDADE. Corri, e quando finalmente abri a passagem, o trem freou e acabou descarrilhando, me atirando ao chão. Cai e apaguei. Com um espasmo, acordei com o fiscal do trem me balançando em minha poltrona: – Ei, cara! Não pode fumar nesse vagão.
Yuri Cidade
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